quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ARTIGO: Os terreiros também precisam de planejamento

Por Fábio Rocha, Colunista de Plurale (*)

Depois de mais de 19 anos envolvido com a área social, tanto como acadêmico, como palestrante e consultor de mais de 100 organizações públicas, privadas e não-governamentais nos mais diversos recantos do país, há aproximadamente dois meses, comecei a conhecer uma das instituições mais peculiares em toda esta minha caminhada, um Terreiro na cidade de Salvador.

Os terreiros são comunidades de vida em que a visão do mundo Africana se mantém presente e viva; em que a reconstrução Familiar – Clã continua a subsistir e em que a vida comunitária revela os traços culturais dos Africanos.
Todos os membros se encontram unidos na mesma fé, protegidos pelos Orixás, submissos a uma autoridade religiosa e espiritual, na qual uma solidariedade económico-religiosa fundamenta a corresponsabilidade do trabalho.

Os membros estão unidos como uma parte num todo, por laços consanguíneos de iniciação e por referências a um mundo acompanhado pelos ancestrais.
A autoridade espiritual e moral são concentradas nas mãos dos “pais” ou “mães de santo”, chamados também de “Babalorixás” ou “Yalorixás”. O nome “mãe” e “pai” significa aqui que os adeptos aceitam uma segunda educação pelas mãos de pessoas significativas nas suas vidas. A educação numa nova vida, após serem iniciados no Candomblé.

Cabe aos chefes do terreiro presidir às cerimónias religiosas, receber os convidados, supervisionar os rituais e apontar os novos iniciados.
A estrutura do Candomblé inclui duas categorias de pessoas: os iniciados propriamente ditos e os titulares, pessoas executivas e honoríficas. Os primeiros percorrem todo o processo formal de iniciação, do aspirante ao supervisor religioso do terreiro.

Há também um grupo ligado à hierarquia do terreiro, mas que não recebe (incorpora) as divindades. São as Equedes, consagradas ao serviço dos santos e atentas às filhas de santo quando estão incorporadas.

O segundo grupo, propriamente dito, é representado pelos “Ogãs”, pessoas que exercem um cargo executivo e honorário no Candomblé. Contribuem para solucionar problemas jurídicos e formam um corpo selecto de prestígio.

Os terreiros gozam de certa autonomia, mesmo que haja um relacionamento entre si. A autonomia é fonte de prestígio.

A adesão ao candomblé é um processo complexo, paulatino e que envolve um aprendizado minucioso de códigos religiosos que, é possível dizer, começa na iniciação. Tal aprendizado dá-se no âmbito das relações do grupo do terreiro ou da comunidade do “povo-de-santo”.

É também regulado pelo tempo de iniciação que, situando o iniciado dentro de uma estrutura hierárquica precisa, delimita posições e papéis. Assim, a inserção do indivíduo na comunidade vai sendo feita através da acumulação dos fundamentos religiosos que estabelecem o tipo de relação do indivíduo com seu Orixá e com os demais membros do culto.

Portanto, com base nestas informações percebemos que em regra geral os terreiros são espaços únicos, em valores, em atividades e em todo o seu modus-operandi.

A grande questão é que a maioria destes terreiros, não se enxerga como uma organização do mundo civil e sim apenas um espaço religioso.

Isto quer dizer que existem recursos públicos para as atividades-meio destes terreiros, mas, sem uma organização jurídica, sem projetos bem elaborados, estes recursos tornam-se inacessíveis.

Para dar este salto, necessário para o fortalecimento da sua causa e importante para a função social de qualquer terreiro, requer toda uma transição para um universo antes desconhecido, o universo da gestão.

Esta experiência que cito no início do artigo, foi iniciar este salto, a partir da concepção de um planejamento estratégico, definindo missão, visão, princípios, macroestratégias, entre outros.

Uma experiência das mais ricas, no qual um grupo de mais de 25 pessoas, durante dois dias, de forma altamente participativa, começaram a discutir o passado, o presente e o futuro desta organização que é a cara, o coração e a alma do Estado da Bahia.

Quero antes de tudo afirmar, que não citarei aqui o seu nome, pois, não tive esta autorização, tanto das suas lideranças terrenas quanto espirituais, mas, não se preocupem em breve ocorrerá um lançamento deste trabalho em grande estilo.

Quero ainda ressaltar, que todo baiano, verdadeiramente baiano não só deveria conhecer estes espaços, ricos em cultura, em sabedoria, em tradição, mas apoia-los na sua manutenção e fortalecimento.

(*) Fábio Rocha é Colunista de Plurale (www.plurale.com.br), colaborando com artigos sobre Sustentabilidade. É sócio-diretor da Damicos.

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